Segundo José Mattoso (A escrita da história, 1988), na «difusão do sentimento de identidade», encontra-se «a noção clara da diferença cultural face ao estrangeiro». De facto, em diferentes momentos e contextos da história de Portugal, verificou-se uma necessidade de construção de discursos contra o estrangeiro (endógeno ou exógeno), entendido como o Outro, o inimigo que ameaça uma determinada ordem que se pretende proteger. Esses discursos, elaborados com recurso à estereotipia e a processos de deformação, visavam desenhar uma imagem negativa do Outro com vista à afirmação de uma contraimagem (do “Nós”) que se pretendia disseminar. Podemos falar, neste contexto, na construção de uma cultura em negativo – usando a metáfora do negativo fotográfico – firmada numa retórica da alteridade (François Hartog) e num mecanismo de confronto. É nosso propósito dar conta de alguns exemplos de construção de uma imagem negativa, aplicando a este processo a chave de leitura proposta por René Ginard – a dinâmica do bode expiatório.
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Francisco Manuel Parejo Moruno
Comentó el 21/05/2021 a las 22:35:20
Cristiana, cumprimentos pelo seu contributo, que parece-me muito interessante. Queria perguntar se no teu análise trataste do seguinte: a imagem que a gente acaba por ter do outro (entendendo por este o imigrante ou estrangeiro) está condicionada por questoes gerais como a procedéncia (por exemplo, se eles virem de países ricos ou pobres) ou é gerada por contrário por circunstâncias pessoais (como a imagem, raça, condição sexual, etc.). Ao mesmo tempo, ¿achas que a aceitação do diferente é maior em países com tradição colonial (como é o caso de POrtugal), comparativamente às nações mais novas sem tradição colonial? Cumprimentos pelo teu trabalho
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Cristiana Isabel Silva
Comentó el 24/05/2021 a las 13:33:16
Prezado Francisco, muito obrigada pelo seu comentário. Antes de responder às questões, permita-me referir que tenho estudado a ideografia do estrangeiro, na longa duração, em dois níveis:
1) representações do estrangeiro endógeno (à luz do mecanismo do bode expiatório, segundo René Girard): Igreja ultramontana (metonimicamente representada pelos jesuítas), judeus e cristão-novos, maçons, comunistas;
2) representações (dimórficas — porque negativas mas também positivas) do estrangeiro exógeno (à luz do conceito de ressentimento, segundo Marc Ferro): Inglaterra, França, Espanha (a chamada "Europa sentimental", segundo António Pedro Barbas Homem).
Portanto, as representações do estrangeiro (do Outro) são sobretudo influenciadas pelos seguintes vetores: o medo, a desconfiança, o ressentimento e a admiração. E tanto são condicionadas, como refere, pelo origem como pelas circunstâncias, uma vez que decorrem, essencialmente, de estereótipos que são construídos, alimentados e culturalmente inscritos.
Em relação à segunda questão, não tenho dados concretos para responder de forma categórica. No entanto, diria que a aceitação do Outro é influenciada pela tradição em geral (e não apenas colonial), na medida em que que a convivência (sobretudo na longa duração) com o Outro permite desenvolver mecanismos de aceitação e de confiança; mas pode também desenvolver mecanismos de defesa que de traduzem na não aceitação e em desconfiança. A globalização, por exemplo, reflete bem este paradoxo: se por um lado deveria contribuir para a construção de sociedades mais abertas (na medida em que permite um melhor conhecimento do Outro), realizando a utopia da fraternidade universal), por outro o que vemos que é que tende a acentuar as diferenças conduzindo à criação de mecanismo de defesa.
Enfim, lamento não conseguir responder à sua questão.
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